- Bom, estamos a chegar ao final da reunião de pais. Relembro que estamos a meio do primeiro período e peço a todos os pais que insistam para que, quando os vossos filhos chegarem a casa, façam logo os trabalhos e estudem.
- Senhora professora, como a senhora sabe, nós não podemos ajudar… nem sabemos ler.
- Não faz mal. Eu aqui ensino-os a estudar. Eles apenas têm de se sentir controlados em casa para fazerem o essencial para a escola. Vamos ter provas em Dezembro e, mais uma vez, deveremos ter a presença dos senhores inspectores.
- Antes das férias do Natal voltaremos a falar, pois quero começar o ano de 1970 com todos os meninos a par da matéria.
- Como sabem tenho muito trabalho, pois são as 4 classes, e 40 alunos ao todo. Nenhum pode ficar para trás.
- Sra. Professora, se for necessário pode dar uma lambada ao meu Zé.
- Eu sei disso, mas não é preciso, nem é o que quero. Quero que vocês ajudem. Basta perguntarem-lhes se fizeram os trabalhos ou o que estão a estudar.
- Sim, minha senhora – coro de todos os pais.
- Senhora professora, já agora, como está a chegar o Inverno, a senhora não vai precisar de carvão para as braseiras?
- Sim, é melhor. Eu vou trazendo de casa, mas se alguns pais puderem ajudar, agradecia.
- Mas duas braseiras, se calhar é pouco para as duas salas. Olhe vamos juntar-nos e compramos entre nós todos duas braseiras. É que as salas são muito grades e frias e a senhora sabe que aqui o Inverno é rigoroso. Temos sempre temperaturas negativas.
- Muito obrigado. O que puderem trazer, de entre vós, será bem recebido. Tudo isto que aqui está, já fui eu que trouxe, não sei se dá para remediar.
- Senhora professora, desculpe interromper, mas na quarta-feira vi a senhora a esfregar o chão da escola. Não há ninguém para a ajudar?...
- Não, não há.
- A senhora não se preocupe. Nós fazemos à vez e vimos cá todas as semanas lavar o chão da escola.
- Obrigado, era uma ajuda grande que me davam. Durante a semana eu posso varrer, mas pelo menos uma vez por semana o chão tem de ser esfregado. Não se preocupem que eu trago o sabão de casa.
- É verdade, eu tenho reparado no caminho de casa para cá, que há meninos que vêm a pé ao longo da estrada.
- Pois é, Sra. Professora, não há camionetas à hora a que eles vêm e, para além disso, o bilhete é caro…
- Mas não têm de se preocupar. Como sabem eu venho da cidade e são 21 km até aqui. Basta combinarmos. Como eu passo sempre à mesma hora na estrada, eles esperam por mim e trago-os. Já agora, quando caminharem na estrada, tem de ser sempre de frente para os carros.
- Muito obrigado, minha senhora, não será incómodo para si?...
- Nada disso! Não me custa nada. Só preciso de saber quantos querem boleia.
- Ah!... Só mais uma coisa, antes de terminarmos a reunião. Eu não quero que os vossos filhos venham para a escola sem comer nada, nem quero que lhes dêem vinho ou qualquer outra bebida alcoólica.
- ….
- Não tenham problema, em dizer quem tem dificuldades. Só assim posso ajudar.
- Vão dar-nos dinheiro?...
- Infelizmente não!... Mas se eu souber quem tem mais dificuldade, eu compro pão na cidade e trago para cima. Quem tiver em casa, pode trazer pão duro que se aquece aqui na braseira, eu trago uma grelha. Como todos ou quase todos têm animais em casa, os pequenos que tragam uma vasilha com leite, para o lanche da manhã.
- Sim, Sra. Professora…. Obrigado. – Coro de todos os pais
- Pronto, por hoje é tudo. Conto com a vossa ajuda. Obrigada a todos.
(Nota: A professora é a minha mãe)
Sem comentários! O pior é que ainda há escolas assim, meninos e famílias assim. O pior é que hoje em dia não há professores assim!
Bj p'ra ti e p'ra tua Mãe :-)
Vera,
Obrigado.
Muitas dificuldades se passam hoje em dia ainda.
Tretices reconhecidas para ti
De
L!NGU@$ a 29 de Outubro de 2008 às 10:08
Incrível.Essa história é triste, mas uma grande lição. Alguma vez algo assim seria possível hoje em dia? Penso que não.
Línguas,
Em primeiro lugar, obrigado pela tua visita.
Sim, há muitos professores hoje em dia que sofrem muito para ensinar.
O ministério não os deve ver!....
Um gandabraço
De Patrícia Villar a 29 de Outubro de 2008 às 10:09
Riqueza, Ufa...confesso que li tudo até ao fim quase sem respirar. Grande lição de vida! Obrigada.
Beijinhos
Riqueza linda,
Não agradeças. É bom que nós como pais, antes de reivindicarmos muitas coisas, estejamos conscientes das dificuldades sociais ainda hoje existentes e dos sacrifícios actuais de muitos professores.
Tretices ricamente acarinhadas para ti.
De
swt a 29 de Outubro de 2008 às 10:38
Que momento mágico!
SWT,
Que bom ter-te de volta!...
Foi também uma homenagem à minha mãe.
Tretices com magia para ti.
De
Papinha a 29 de Outubro de 2008 às 10:54
Como os tempos mudam... a entreajuda acabou! Agora achamos que nos são obrigados a dar todas as condições e que nós ( pais, professores, sociedade), não temos o dever de fazer nada... Simplesmente exigir!!!
Adorei ler estes pedacinhos de memórias... Obrigado por me fazeres, nem que seja por uns minutos, reflectir!!!
Beijinhos!!
P@pinh@
Papinha,
Obrigado por me leres.
Tretices grandes para ti.
De
Moi a 29 de Outubro de 2008 às 12:29
Nestes últimos tempos, estás com uma verborreia!!!
:))))
Toi,
Pena tenho eu de não conseguir contar como vejo o mundo, com frases curtas e textos pequenos...
Só mesmo com estas TRETAS! lololol
Tretices sem palavras para Toi
Fez-me cairem as lágrimas com esta história verdadeira, cuja personagem é a sua mãe.
Tempos antigos eram muitos difíceis, eu confirmo por que já tenho 50as e sei disso.
É verdade que havia muita ajuda dos pais, aos professores, com alimentos e pequenas coisas que era possível dar. Mas também havia quem se aproveitasse, quem passava os alunos se os pais destes oferecessem algo em troca.
Também já fui buscar alunos a casa, já fui levá-los, porque não tinham transporte, já passei alunos com muitas dificuldades de aprendizagem... Mas eram alunos pobres, humildes, educados, que se esforçavam para cumprir as tarefas da escola, em casa... e sem ajuda dos pais, que sabiam menos ainda.
Isso é fundamental para mim. A humildade e o esforço.
Não digo mais nada, por que Tretoso fez-me recordar muito da minha infância em que nada nos era oferecido.
Um beijinho
Cantinho da Casa,
Também me emocionei a escrevê-lo.
Obrigado.
Tretices humildes para ti.
De Paula a 29 de Outubro de 2008 às 13:23
Olá boa tarde,
Bela história... Viajei um pouquinho no tempo... Mas só um pouquinho..
Gostei bastante!
Beijocas
Paula
Pula,
Ainda hoje existem casos bem difíceis....
Tretices gratas para ti
De brilhosinhos a 29 de Outubro de 2008 às 13:57
Brilhozinho tretoso,
Já temos uma coisa em comum, a minha mãe também era professora;-D.
É evidente que não sabes mas eu quando acabei o 12º ano fui para uma universidade internacional na Dinamarca tirar a licenciatura em relações internacionais. Tal como eu, nenhum daqueles estudantes tinha a família por perto e o dinheiro escasseava porque era tudo muito caro. Foi então que dei por mim a viver na idade da pedra. Onde cada bem essencial valia como elemento de troca e se queríamos algo mais valioso tínhamos de trabalhar horas extra na universidade para o conseguir. Foi muito duro para uma menina betinha como eu era, mas foi a minha maior e mais valiosa lição de vida. Nunca mais fui a mesma pessoa. É por isso que quando se fala de crise prefiro ir para o shopping comprar umas coisinhas. É que a minha quota parte de ajudar quem precisa é uma grande fatia dos meus rendimentos mensais. Mas é o dinheiro mais bem gsto do mundo. E enquanto eu puder...
Beijos brilhantes e solidários para ti
Brilhosinhos,
Muitas vezes "é preciso passarmos por elas, para sabermos como elas nos doem", como diz o povo.
Tu já o sabes.
Muitos há, no entanto que nem imaginam o que aconteceu e acontece.
Esta realidade infelizmente ainda existe, e numa escala maior do que muitas vezes imaginamos.
No capítulo socio-económico e no esforço, sofrimento e dedicação dos professores. Ainda hoje, há professores que, tal como a minha mãe, têm de comprar o giz, o apagador, os marcadores, as cartolinas... sei lá, todo o material necessário para o apoio escolar.
Compreendo que te doa quando lês algumas das minhas TRETAS, poque sentiste a dor na pele.
Espelho aqui a forma como vejo o mundo, os temas que me preocupam e que sinto como os pilares podres da sociedade em que vivo. uestiono-me frequentemente se não cansará quem me lê. É possível, mas enquanto eu tiver sombras de preocupação, que a minha imaginação permita denunciar de uma forma ligeira mas incisiva, terei de o fazer para não asfixiar.
Sou bem humorado e positivista e é com esse humor e esperança de recuperação que escrevo.
Fico grato pela tua atenção.
Tretices com um brilhozinho nos olhos para ti.
De Tio a 29 de Outubro de 2008 às 15:24
Eu... tenho muito orgulho de ser irmão dessa "Grande Professora" e de ter sido, por circunstâncias únicas desse tempo, seu "ALUNO".
É ainda com muita emoção que li e reli este momento "Mágico", como aqui já alguém definiu.
Obrigado por "TUDO" e principalmente por esta magnífica dádiva, para gáudio da minha memória de afectos.
Bravo! Bravo! Bravo...
Um Abraço e bjs para todos e um beijo especial para a minha "Mana"!
Vitor
Tio,
Isso não se faz. Fiquei com os olhos vidrados mais uma vez!...
A minha mãe não tem net, nem sabe o que lhe dediquei.
Ela foi sempre muito querida e acarinhada pelas aldeias e vilas onde trabalhou.
Foi singelo este texto, mas sentido.
Beijos grandes para todos.
Vim retribuir a visita...e agradecer a tua mais uma vez.
Lêr este texto só fazia eu lembrar-me das histórias que o meu pai e os meus tios contavam, os que já não tenho o privilégio de ter do meu lado. E que ainda contam, os que ainda tenho.
Era mesmo assim e eu fico triste ao verificar que hoje, o ritmo de vida, de evolução, no que respeita a entre-ajuda, a colaboração, o todos contribuirem no sentido de tornar as coisas,não digo mais fáceis mas, pelo menos possíveis...dizia eu, tenho pena que se corra cada vez mais no sentido oposto.
Tenho pena que, quando se quer ser assim, as pessoas ainda sejam criticadas, classificadas de parvas, e que, se puderem, ainda se aproveitem do facto de elas ainda serem assim.
No que me diz directamente respeito, ADORO SER ASSIM, quem entender...tem-me assim. Quem não entender, tem-me igual a todos os que não têm tempo para olhar para o lado de tanta pressa que têm...de tanta correria desenfreada.
ADOREI
Vou continuar a explorar o teu cantinho
Teddylover.
Muito obrigado pela tua visita. Tens aqui um tasco onde as TRETAS da Vida se multiplicam.
Não é fácil ser-se assim, sem um efectuvo sentido do dever.
Continua a aparecer que terei muito prazer nisso.
Tretices agradecidas para ti
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